15.11.08




Projecto "Your text here" produzido em 2006 para uma convocatória de mail art promovida por Antonella Grota Giurleo para a biblioteca Gallaratese de Milão

14.11.08



QUEIMAR LIVROS


“...
- Perguntaste-me quando começou o nosso trabalho, como e onde? Pois bem, na realidade o ponto de partida remonta à época chamada Guerra Civil. Embora no texto do nosso regulamento a data seja anterior. O facto é que não tínhamos nenhum papel a representar antes da aparição da fotografia. Depois, veio o cinema... no princípio do século XX. Depois a rádio. A televisão. O elemento massas entrou em cena.
Montag continuava imóvel, sentado na cama.
- E esse elemento massas veio simplificar os problemas – continuou Berry – Primeiro, os livros só interessavam a minorias, aqui e ali. Podiam permitir-se ser diferentes. O mundo era vasto. Depois o mundo encheu-se de olhos, de cotovelos, de bocas. A população dobrou, triplicou, quadruplicou. Os filmes e a rádio, os magazines, os livros foram nivelados, normalizados sob a forma de uma espécie de pasta de bolo. Estás a perceber?
- Parece-me que sim.
-Estás a ver o quadro. O homem do século XIX, com os seus cavalos, seus cães, os seus comboios; lentidão de movimentos. Depois a aceleração, a câmara. Os livros resumidos. As condensações, os digest, os gráficos; tudo subordinado ao mote, ao fim percutante.
-O fim percutante – disse Mildred, aprovando com a cabeça.
-Os clássicos reduzidos para compor emissões de um quarto de hora na rádio, cortados de novo para darem traços de dois minutos de leitura, enfim, arranjados para um resumo de dicionário de dez linhas. Estou a exagerar um pouco, claro. A minha alusão aos dicionários é apenas uma referência. Mas para muita gente, Hamlet (tu conheces certamente os títulos, Montag; a senhora talvez os tivesse apenas ouvido citar), para muita gente, dizia, Hamlet era apenas um resumo de uma página, num livro que declarava: «Finalmente, todos os clássicos ao seu alcance; o seu nível de conhecimentos igual ao do seu vizinho». Estás a ver o que queremos dizer? Da sala das crianças ao colégio e do colégio à sala das crianças. Eis o traçado da curva intelectual para os últimos cinco séculos.
...
-As aulas tornaram-se mais curtas, a disciplina é relaxada, a filosofia, a história, as línguas abandonadas, o inglês e a sua pronuncia abastardados pouco a pouco e, finalmente quase ignorados. Vive-se no imediato. Apenas conta o trabalho e o após trabalho, a dificuldade da escolha de uma distracção. Para quê aprender qualquer coisa , além de carregar botões, ligar computadores, enroscar parafusos e porcas?
...”


Acabei de ler “Fahreheit 451” escrito por Ray Bradbury em 1953. A obra, traduzida para português por Mário Henrique Leiria e editada pelo Público na Colecção Mil Folhas, é de leitura completamente acessível e empolgante.
O que me surpreendeu neste livro foi sobretudo a forma antecipatória como o autor prevê que os meios de comunicação evoluam, designadamente no que diz respeito à televisão. O enredo, que se passa num futuro próximo do ano 2300, consiste fundamentalmente na descrição de uma sociedade tecnologicamente muito evoluída, mas absolutamente controlada pelo sistema instalado. No cenário ficcionado pelo autor esse controlo é assegurado pelos meios de comunicação orientados ferozmente para a inibição da leitura (a simples posse de livros é considerada crime) e para o entretenimento perpétuo das mentes.
Fora desta sociedade de cariz urbana existe gente sobrevivendo no deserto interurbano ou clandestinamente dentro dos aglomerados. Para combater os dissidentes, sobretudo aqueles que resistem à supressão da leitura estão os bombeiros que, numa sociedade onde as coisas já não ardem por acidente, se dedicam a queimar todos os focos de livros que detectem.
O livro, de uma interpelante actualidade, não se esgota nesta breve sinopse. Foi para mim uma agradável revelação, ao ponto de me sentir obrigado recomenda-lo vivamente.
Não será por acaso esta minha identificação com as inquietações do autor. Há nove meses atrás cortei radicalmente com a televisão e, surpresa das surpresas, voltei a ter uma casa com música, desenho, pinto, escrevo, e toco piano. Tenho novamente o meu projector a funcionar e vejo ou revejo cinema. Redescobri o prazer de andar a pé ou de bicicleta. Tenho tempo e faço muito mais.

13.11.08



Nem todas as cartas de amor são ridículas…


“Creep”

When you were here before

Couldn’t look you in the eye

You’re just like an angel

Your skin makes me cry

You float like a feather

In a beautiful worldAnd

I wish I was special

You’re so fucking special

But I’m a creep,

I’m a weirdo.

What the hell am I doing here?

I don’t belong here.

I don’t care if it hurts

I want to have control

I want a perfect body

I want a perfect soul

I want you to notice

When I’m not around

You’re so fucking special

I wish I was special

But I’m a creep,

I’m a weirdo.

What the hell am I doing here?

I don’t belong here.

She’s running out again,

She’s running out

She’s run, run, run running out...

Whatever makes you happy

Whatever you want

You’re so fucking special

I wish I was special...

But I’m a creep,

I’m a weirdo,

What the hell am I doing here?

I don’t belong here.

I don’t belong here.

RADIOHEAD / Album Pablo Honey

12.11.08



Engolir o fumo.

Eu não sei se tu me ligas. Agora o que eu tenho a certeza é que tu me desligas. Eu não sou assim tão esperto mas parece-me que te sinto quando andas perto. Este sobressalto que me assalta num crescendo de aproximação faz-me tropeçar em nenhum lugar.

E se te vejo…Se te vejo, desligo-me.

O meu peito recebe uma descarga eléctrica, vinda não sei donde, igual ao impacto de engolir o fumo de dez maços de tabaco num único pulmão.

Depois…Depois, é como deixar de existir. Depois, todo o meu cérebro cruza infinita informação em pânico procurando desesperadamente uma saída abandonando o resto do corpo completamente inanimado.

São dez segundos de abalo sísmico, incontrolável até eu descobrir uma idiotice qualquer para mascarar o apuro.

(Algumas cartas de amor são mesmo ridículas)

11.11.08


De Fernando Pessoa,
Mar Português.

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


De Omar Salgado
Nadando em Pessoa,

Ó mar despido, quanto deste Portugal
É sal que está corrompido!
Por te abortarmos, quantos pais ceifamos,
E em vão os seus filhos educamos,
…nada se pôde salvar.
Já nem sabemos que és nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tinha valido a pena
Se a alma não fosse pequena.
Quisemos fugir da dor
Mas passamos por baixo das pernas do Adamastor.
Fizemos chacota do perigo e do abismo,
E no mar, espelhamos apenas um novo sismo.

10.11.08



Os meus santos sou eu que os canonizo. Os meus santos nem sequer estão mortos. Os meus santos estão sempre comigo porque de alguma forma um dia me cruzei com eles.
Os meus santos são as mãos que estão debaixo das minhas sobre a minha cabeça.

Martin Luther King

Homens como Martin Luther King são pilares da civilização. Homens como Martin Luther King são poemas vivos. Com ele a verdade não esteve do lado de quem domina, agride, suborna, ou silencia. Com ele a verdade não esteve do lado de quem se vinga, odeia, ou segrega. Com ele a verdade esteve apenas do lado da verdade.

A obra de Martin Luther não parará de dar frutos e a escolha do novo presidente americano é a mais recente prova da fecundidade das suas acções.

Ao contrário os silenciadores de Memphis apenas construíram um eterno e amargo vazio.