21.2.09



Projecto "Your text here" produzido em 2006 para uma convocatória de mail art promovida por Antonella Grota Giurleo para a biblioteca Gallaratese de Milão

20.2.09



Acordar

Não me venham com
Ensopados de borrego ou barrigas de freira,
Viagens à Lapónia ou cruzeiros de sonho,
Massagens turcas ou banhos de lama,
Kamasutras ou sexo tântrico,
Fados de Coimbra ou chás dançantes,
Vinhos do porto ou bebidas fumegantes,
Festas de aniversário ou bailes de Carnaval,
Museus egípcios ou peças de Shakespeare,
Livros de Tolkien ou das mil e uma noites,
Vitórias políticas ou revoluções populares,
Chocolates Suíços ou Bolo Inglês,
Mergulhos no Pacífico ou descidas de rápidos,
Cachimbos da paz ou charutos de Havana,
Prazeres imorais e não sei o mais…
Porque,
O melhor de tudo é mesmo dormir.

19.2.09






Pesadelo

Estou há três dias com febre e não encontro o raio dos fósforos.
A minha casa enche-se de gente a fumar e jogar e tudo fica por limpar.
Enche-se a cozinha de garrafas vazias e de sacos de lixo, e a loiça permanece de molho eternamente.
Apagam-se os cigarros nas cascas de batata, descascam-se cebolas nos copos de água, tira-se manteiga com uma faca de corte esburacando-a até furar o pacote.
Enche-se o ar de risos e fumo esperando pelo fim da ceia para se esvaziar de gente que regressará mais tarde, enfadada por eu estar doente e com a minha caixa de fósforos no bolso.

18.2.09



4
………………………
As Mulheres

Domingo,
Ensinaram-me que era proibido.
Segunda,
Pensei que era proibido.
Terça,
Proibi-me.
Quarta,
Equivoquei-me.
Quinta,
Apaixonei-me.
Sexta,
…………………………
Sábado,
Será talvez a véspera de outro
Domingo.


In O Livro do Fantástico Espanto de Espantoso Barbosa

17.2.09



O primeiro direito

Que fique bem claro. Nunca escrevo para os outros. A escrita é para mim um passeio solitário que atravessa o papel deixando uma baba de ideias onde me confesso. Por isso, escrevo sempre ao correr da pena, e, como tal, nunca sei como vai acabar a frase que estou a escrever.
Escrevo para tentar entender-me, e ampliar a liberdade de preservar um nódulo que dentro de mim tenta resistir aos embrulhos que o comportamento social nos impõe.
Creio que há um lugar dentro de nós onde ninguém consegue entrar que, qualquer que seja a nossa história, resguarda uma identidade imutável que faz de nós esta pessoa.
Estes são os lugares que os senhores deste mundo mais temem, de onde a moralidade procura por todos os meios manter-nos ausentes.
Para alguns é a alma, para outros o “ferro” astral. Para mim é uma privacidade viva escondida ao fundo de um beco visceral.
A escrita é para mim uma espécie de álbum de fotos desse lugar e um inventário dos meus queridos desastres somados. É como se fosse algo que sendo verdadeiramente meu me dá o direito pleno de a emprestar, dar ou trocar.
A escrita é para mim também um lugar que espera por mim todos os dias, aconteça o que acontecer. Posso descreve-la como uma espécie de banco de jardim onde sempre vou quando me sinto só, triste, realizado, cansado ou com vontade de fazer um intervalo.
Com a escrita não desejo este mundo que não é meu nem de ninguém.
Quero apenas o meu banco de jardim.