6.4.10



Porque será que me estou nas tintas para a biodiversidade?

Se cada asa de borboleta é uma composição plástica nova e arrebatadora…
Se cada cria de animal, grande ou pequeno é um ser magnético e hipnótico…
Se cada mancha verde na paisagem é um excesso caleidoscópico de folhagens e troncos, irreverências florais e tentações à gula…

Porque será que me estou nas tintas para a biodiversidade?

Se os corpos se reproduzem mas se não clonam, se fundem e reordenam num equilíbrio sempre novo e resplandecente…
Se as faces se sucedem na rua (ou na vida) imprevisivelmente transbordando de intenções e medos cuja interactividade ultrapassa o limite da cegueira…
Se os sorrisos nos provocam o siso cada um à sua maneira, mostrando ou escondendo dentes, alarves ou mudos, fazendo-nos esquecer por segundos o capacete do nosso egocentrismo…

Porque será que me estou nas tintas para a biodiversidade?

Se o plâncton alimenta as baleias e pardal come do que lhe apetece…
Se uns nadam quilómetros para desovar onde nasceram e outros atravessam a selva para morrer no mesmo lugar dos seus antepassados…
Se eu sou o mais velho de três irmãos e o décimo de vinte um primos…

Porque será que me estou nas tintas para a biodiversidade?

Somos seres de campo não de aviário, nesta ficção científica que é a fatia do tempo que nos foi destinada, e só assim poderemos ser entes saborosos para o deleite dos outros.
Que sentido faz um aviário de baleias, ou um alecrim de estufa?
Que sentido fazem gaiolas ou vasos para prender alfinetes, rosas plastificadas ou tubarões de lábios pintados?
Somos seres de campo e o campo já tem tudo organizado. Nós é que lhe desenhamos linhas e construímos muros, para dizer estes são de aqui e aqueles são dali. Nós é que lhe inventamos regras e proibições para prevenir a corrosão do nosso antecipado epitáfio e preservar a nossa incapacidade de mudança.
Temos todos os motivos para desejar fazer parte desta explosão de vida e no entanto…

Eu estou-me nas tintas para a biodiversidade…
…porque te amo!

Cada ano, cada estação, cada mês,

cada semana, cada dia, cada noite,

cada hora, cada minuto, cada segundo,

cada batida do meu coração,

cada inspiração, cada passo, cada corrida,

cada descanso, cada olhar, cada som,

cada cheiro, cada sabor,

cada raio de luz, cada sombra,

cada pasmo, cada gargalhada, cada saudade,

cada viagem, cada paragem, cada regresso,

cada adormecer, cada insónia, cada despertar,

cada aula, cada intervalo,

cada escolha, cada dúvida, cada copo de cerveja,

cada brinde à saúde,

cada alegria, cada suspiro,

cada vitória, cada derrota,

cada mistério, cada solução,

cada flor, cada insecto, cada campo,

cada objecto, cada desenho, cada poema,

cada lema, cada ousadia,

cada sessão de cinema,

cada concerto, cada café,

cada segundo, cada minuto, cada hora,

cada noite, cada dia, cada semana,

cada mês, cada estação, cada ano,

cada reencarnação…