28.2.09



Projecto "Your text here" produzido em 2006 para uma convocatória de mail art promovida por Antonella Grota Giurleo para a biblioteca Gallaratese de Milão

27.2.09



Psicose


Tenho
um pelo comprido em cada sobrancelha
por onde derramo a minha energia
de encontra aos corpos
dos desconhecidos.

Espreito
melhor pelo canto do olho
que pelo meio do cristalino,
e, por ali, se me escapa
um chato permanente
controlo.

Sobressalto-me
no mover dos membros
que reparo,
por saber que um gajo normal
não o faz.

Desvio o olhar
mas continuo a ver…
Afasto o braço
e ainda sinto…
Perturba-me a perturbação
que em ti provoco,
e por isso…

…levanto-me e saio.

Talvez não te procure mais…
Talvez me evites agora…
Talvez seja tudo imaginação…
Mas o mal, que é real,
não to atirei do coração.
Vegeta-me à flor da pele.


Espantoso Barbosa / 1988

26.2.09



Este tem sido o prato talismã dos “Jantares do 66A”

Filetes de peixe com maçã

1kg de filetes de peixe, limpos de espinhas
2 maçãs grandes
2 cebolas
sumo de limão q.b.
1 colher de sopa de mel
2 a 3 colheres de sopa de azeite
Sal

Estufe em azeite as maçãs e as cebolas, ambas cortadas às rodelas finas. Junte o mel e deite sobre os filetes de peixe, previamente temperados de sal e sumo de limão.
Deixe estufar durante 12 minutos.
Sirva no próprio tabuleiro, para aproveitar o molho, acompanhado de legumes variados.
Nota: Actualmente há quem substitua o mel por caril, que se adiciona quando a cebola está a estufar. Nessa altura aconselhamos a servir o peixe com arroz branco.
Este peixe fica muito bem com pimentos verdes, tomates e quartos de limão.

In: “Sabores Judaicos, Trás-os-Montes” pag 21

25.2.09



Livros com gordura

Gosto de convidar um grupo de amigos para jantar.
Gosto de preparar uma ementa, arquitectar uma mesa, encadear os timings e contar uma história sobre o conjunto.
Já fiz alguns jantares temáticos e outros de festa (não tantos quantos gostaria). Os segundos são sempre melhores que os primeiros, até porque só são interessantes se se transformam nos segundos, e estes naturalmente recaem sempre numa temática aglutinante.

Cruzei este meu gosto com uma preocupação que me persegue e descobri uma provocação que enriquece os meus jantares.

Preocupa-me que os livros morram de tédio nas estantes, numa virgindade anónima e inútil, até que um qualquer “Fahreheit 451”, lhes devolva a imolação pelo fogo.
Uso os meus jantares para os resgatar temporariamente da prateleira alegando o pretexto de os usar como bases para travessas.
Claro que há o risco da gordura, mas, nesse caso, a nódoa será datada e classificada para a vida do exemplar em questão.
Por outro lado a sua aparição, irresistivelmente provocatória, obriga sempre algumas das mãos presentes a assumir o acto de os folhear quanto mais não seja para saciar a curiosidade de um associado par de olhos.
O caso mais interessante, consequência desta minha excentricidade, foi o que me levou a oferecer uma pseudo base de travessas ao convidado que surpreendentemente encontrou na mesa o livro que a bibliografia recomendada para a tese que estava a defender dizia estar esgotado.
Tema do jantar claro!...

24.2.09



O quarto do puto

A grande maioria dos jovens casais que encomendam o projecto da sua moradia aparecem para a primeira reunião carregados de sonhos, imagens impactantes de fachadas ou piscinas, meritórios rabiscos com a forma de planta do piso e toneladas de recortes (ao vivo ou na memória) de páginas da Art & Decoracion ou da Casa Cláudia.
Com o passar dos anos e ao sabor da moda, tem mudando as prioridades que os acompanham, quantas destas com pouca influência na qualidade do habitar que o futuro lhes irá trazer.
Curioso também é verificar que os promotores imobiliários, igualmente a reboque da reportagem revisteira, copiam todos estes anseios, adoptam-nos e adaptam-nos em função dos programas por eles definidos para a habitação colectiva.
É exemplo do que acabamos de escrever o quarto do casal, compartimento da habitação que, nos tempos que correm, tem sido alvo de uma atenção especial por parte de quem define o programa base (quem quer que seja o promotor).
Eventualmente, por via da influência do glamour que se encena na estadia em hotéis de muitas estrelas, paira sobre a antevisão da vivência na futura habitação a fantasiosa necessidade de prolongar esses momentos de reinado e felicidade para o resto dos nossos dias. Daí que, se o quarto do casal se parecer com aquele outro, de luxos efémeros, permanece a esperança de se ter inventado um lugar imune à dureza da vida e às surpresas desagradáveis com que o dia a dia fatalmente nos confrontará .
Esquecidos que estão o toucador, a cómoda e o armário, o quarto do casal é solicitado como uma suite ampla com cama ajustável electricamente e ecrã de plasma, integrando um closet feito à medida, e uma casa de banho que nos pareça ser duas, bem equipada de tecnologia e design (hidromassagem, toalheiros aquecidos, tv, música ambiente e até Internet para rimar com retrete, torneiras palito e banheiras cascata).
Com tão grande investimento num compartimento que de facto vai ser usado tão pouco tempo (e deste uma grande parte será a dormir) é natural que outros quartos se remetam à normalidade, sobretudo porque na maioria dos casos o seu futuro utente ainda não existe. Isto sabe também o promotor imobiliário e não se arrisca a fugir à presente conjuntura antes exacerba e cumpre todos os requisitos desejados .

Então e o quarto do puto ?
Não será que é ele que o vai usar em plenitude durante pelo menos vinte anos ?
Não será este o compartimento que irá ter a maior exigência multi-funcional e de adaptação em função do crescimento do individuo?
Não é de facto este um lugar de principado dentro de um reino ?

O quarto do puto começa por estar feito para dormir rapidamente reconhecido como lugar de forçada descoberta do isolamento, primeiro trauma de toda uma vida.
Em breve tempo se transforma na primeira descoberta da propriedade privada com tudo o que de bom e de mau nos proporciona um pouco de egoísmo.
Nesta nossa arca de Noé aprendamos a reunir as heranças e os despojos das nossas batalhas, e, simultaneamente a reserva de património acumulado que proporciona o prazer da partilha de uma identidade inevitavelmente também revelada pelos apêndices que involuntariamente se nos pegam desde que nascemos.
Até sairmos de casa, e cada vez o fazemos mais tarde, o nosso quarto revela uma solidariedade quase imbatível. Aquelas paredes e aqueles objectos são ao mesmo tempo o ombro amigo, o muro de lamentações, a parede dorida de pontapés e murros, e, por outro lado, o nosso público, o aplauso dos nossos sucessos, a glória das vitórias secretas, os únicos cúmplices das nossas paixões.
Quantas coisas diferentes se irão passar ali ?
Desenhar, arranhar instrumentos de música, ler e escrever, estudar sozinho ou com colegas, navegar, decorar paredes e móveis, dormir claro, entrar tarde também, e talvez vomitar.
O nosso quarto é o único lugar do mundo onde podemos estar sem fazer nada e não ter consciência do acto, até porque dentro dele parece existir uma lei implícita que nos confere a imunidade total ao policiamento anti-ripanso.
Enquanto crescemos fazemo-lo diariamente. Não há noite que não nos acorde mais velhos e isto revela-se na parte interior da porta de comunicação quando saímos pela manhã e na parte exterior da mesma quando chegamos à noite.

Mais tarde, no momento da ruptura, quando saímos de casa não saímos pela porta da rua saímos pela porta do quarto, até porque, a da casa continuará aberta mas a outra fechou-se para sempre.

Seria muito interessante desenhar um bloco de apartamentos em que o investimento promocional concretizado nas opções arquitectónicas enfatizasse o desenho do quarto do puto.
Não tenho dúvidas que uma infinidade de parâmetros seriam chamados intervir na análise e desenvolvimento deste acto criativo, e destes lanço aqui algumas pistas:
Controlar a luz, a temperatura, a ventilação, o ruído, a higiene, a polivalência, a ordem, propondo mecanismos eficazes e duráveis, intuitivos, fáceis de utilizar e reparar, mas simultaneamente proporcionando um espaço aberto a uma apropriação criativa, uma desarrumação temporária, com alternância de zonamento de usos permitindo a passagem dos anos, das idades, das estações, das paixões, etc.
Estudar os materiais para que durem e se estraguem de uma forma prevista considerando a reparação ou substituição como uma intervenção simples e económica.
Fazer estes estudos para um único individuo ou para um espaço repartido, permitindo eventualmente a subdivisão do espaço.
Não limitar estes espaços a áreas interiores conferindo-lhes sempre um prolongamento aberto eventualmente autónomo.

A seriedade de uma intervenção arquitectónica está intrinsecamente ligada à eficácia da sua disponibilidade para com a sua utilização, sendo esta muitas vezes pervertida por modas, vaidades, geometrias ou códices. Deixar habitar implica intervir socialmente e sociologicamente, e consequentemente questionar conceitos para os reinventar e renovar.

Dar pleno espaço ao crescimento dos jovens indivíduos de uma determinada população é contribuir para uma sociedade mais feliz e mais capaz.

Texto publicado em "O Alçapão, Fanzine de arquitectura dura" nº2


23.2.09

Não resisti em transformar na mensagem de hoje este video que a Olga me enviou. É lindo mas o mais curioso é a autoria ser da TVE.