3.1.09



Projecto "Your text here" produzido em 2006 para uma convocatória de mail art promovida por Antonella Grota Giurleo para a biblioteca Gallaratese de Milão

2.1.09



Regressar

As viagens agora não duram nada.

O tempo passa rápido
Porque passo o tempo a pensar em regressar.
Sim regressar e
Arranjar uma fórmula mágica
Para voltar ao tempo
Em que apenas te achava graça.

31.12.08




Algumas cartas de amor são admiráveis!

*

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento –
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Não fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim – à beira rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

*

Odes de Ricardo Reis

30.12.08




Manifesto 47...
... por uma definição de Arquitectura.

Texto A / O que não é a Arquitectura.

A arquitectura não é gosto, não é estilo, não é estética.
A arquitectura não é p’ra ver.
A arquitectura não é moda, não é forma nem design, não é cor nem textura, não é fachada nem planta.
A arquitectura não é escultura nem busto, nem calão nem frase certa.
A arquitectura não é uma placa com o nome do autor.
A arquitectura não tem que ser ovni nem clone.
A arquitectura não é uma comenda nem o retrato da avó.
A arquitectura não está no número de ouro nem no código Da Vinci, não está na geometria nem no caos.
A arquitectura não se mostra linda nem aberrante, não é cenário nem realidade virtual.
A arquitectura não é telha nem beiral, nem soco nem cunhal, nem muito chic nem basto rústica, nem branca nem ocre, nem portuguesa nem alentejana, nem moderna nem alternativa.

Texto B / O que é então a Arquitectura ?

A Arquitectura é o vinho !

Para que serviria inventar a garrafa se não existissem líquidos para a ocupar. Qual seria a razão da existência do vasilhame se este não cumprisse uma missão de acondicionamento, transporte, armazenamento e distribuição de essências que no seu estado físico natural correm informes a favor da gravidade.
Louvável por isso o engenho de conceber recipientes que tão simplesmente colmatam a nossa dependência da água e perpetuam a disponibilidade temporal do prazer de saborear esse grande invento que é o vinho.

A arquitectura é a arte de infundir nos espaços um sopro de vida.
Arquitectar é inventar espaços, tempos e relações.
A engenharia e ciência de descobrir os engenhos necessários para o suporte de vida das arquitecturas.

A arquitectura é a secreta razão que define a escala do território, da praça, ou do hall.
Arquitectar é definir fronteiras e penetrações, numa lógica autónoma da engenharia da parede, do piso, do tecto, da porta, da janela, da persiana, da estrutura, do candeeiro, da via, do transporte público, do abastecimento, da recolha, da salvaguarda.
A engenharia é o forum que permite definir e disponibilizar as tecnologias necessárias à edificação dessas fronteiras e fazer funcionar os mecanismos que controlam as penetrações.

A arquitectura é a arte de controlar a luz, o cheiro, a temperatura, o som, a brisa, o olhar, o recato, o tacto, o gosto, o tempo, o respirar, o movimento, a fala e o arrepio.

Divididas ou concentradas arquitectura e engenharia devem conhecer o seu diferente objecto e tempo de intervenção na meritória acção de intervir no território.

A arquitectura é o vinho e a engenharia a garrafa. Mas a garrafa vazia é ruína ou escultura. As ruínas de Pompeia são arquitectura cadáver. As ruínas de Conímbriga são restos de engenharia.

A escrita ou o livro são engenharias da preservação do intelecto. A arquitectura é o sentido do som destes decorrente.
A pauta e o piano são engenharias da expressão musical.

Um edifício é todo ele apenas engenharias. E quantas vezes apenas uma garrafa inventada para nenhum vinho.

Ao arquitecto cabe ser pintor quando estuda uma fachada, escultor quando propõe uma volumetria, engenheiro quando define todo o sistema construtivo, designer quando detalha um pormenor, arqueólogo quando edifica sobre uma realidade, antropólogo se estuda determinado espectro social, ou matemático se investiga aquela geometria que resolve o encaixe perfeito.

Só será arquitecto quando controla e reinventa o espaço.

Tal como o vinho se redefine quando se desloca para o copo, também a arquitectura articula as artes e as engenharias no sentido de fazer acontecer em nós a transfiguração que sempre acontece quando nos deslocamos nos espaços.

Nós sempre estamos no vinho, nunca na garrafa ou no copo.


29.12.08



Palavras que detesto.

Detesto a palavra hetero.
Não entendo porque raio tenho que ser classificado de hetero só porque outros se dizem orgulhosamente homos?
Tomo a diversidade e a variabilidade da figura humana como uma aparição aleatória e fascinante, como um hino à beleza ou ao belo horrível, ao mistério ou à franqueza, à surpresa surpreendente ou decepcionante ou ainda à previsibilidade confirmada ou contestada.
Acho isto e já nasci assim.
Nesta perplexidade natural a beleza feminina assume o lugar de excelência, provocando sempre com cada nova face, nova imagem ou nova pose, uma sensação insubstituível.
Sinto-o assim e sei que cresci com isto.
Não obstante o generalismo anterior, de toda a beleza feminina do mundo, há mulheres que se fundem com o nosso futuro e nos momentos mais imprevisíveis influem na inclinação da nossa linha da vida.
Vivi sentindo isto e tem sido sempre assim.
Chamaram-me José e gosto deste meu estar.
Não sei porque raio me chamam hetero!?