30.12.08




Manifesto 47...
... por uma definição de Arquitectura.

Texto A / O que não é a Arquitectura.

A arquitectura não é gosto, não é estilo, não é estética.
A arquitectura não é p’ra ver.
A arquitectura não é moda, não é forma nem design, não é cor nem textura, não é fachada nem planta.
A arquitectura não é escultura nem busto, nem calão nem frase certa.
A arquitectura não é uma placa com o nome do autor.
A arquitectura não tem que ser ovni nem clone.
A arquitectura não é uma comenda nem o retrato da avó.
A arquitectura não está no número de ouro nem no código Da Vinci, não está na geometria nem no caos.
A arquitectura não se mostra linda nem aberrante, não é cenário nem realidade virtual.
A arquitectura não é telha nem beiral, nem soco nem cunhal, nem muito chic nem basto rústica, nem branca nem ocre, nem portuguesa nem alentejana, nem moderna nem alternativa.

Texto B / O que é então a Arquitectura ?

A Arquitectura é o vinho !

Para que serviria inventar a garrafa se não existissem líquidos para a ocupar. Qual seria a razão da existência do vasilhame se este não cumprisse uma missão de acondicionamento, transporte, armazenamento e distribuição de essências que no seu estado físico natural correm informes a favor da gravidade.
Louvável por isso o engenho de conceber recipientes que tão simplesmente colmatam a nossa dependência da água e perpetuam a disponibilidade temporal do prazer de saborear esse grande invento que é o vinho.

A arquitectura é a arte de infundir nos espaços um sopro de vida.
Arquitectar é inventar espaços, tempos e relações.
A engenharia e ciência de descobrir os engenhos necessários para o suporte de vida das arquitecturas.

A arquitectura é a secreta razão que define a escala do território, da praça, ou do hall.
Arquitectar é definir fronteiras e penetrações, numa lógica autónoma da engenharia da parede, do piso, do tecto, da porta, da janela, da persiana, da estrutura, do candeeiro, da via, do transporte público, do abastecimento, da recolha, da salvaguarda.
A engenharia é o forum que permite definir e disponibilizar as tecnologias necessárias à edificação dessas fronteiras e fazer funcionar os mecanismos que controlam as penetrações.

A arquitectura é a arte de controlar a luz, o cheiro, a temperatura, o som, a brisa, o olhar, o recato, o tacto, o gosto, o tempo, o respirar, o movimento, a fala e o arrepio.

Divididas ou concentradas arquitectura e engenharia devem conhecer o seu diferente objecto e tempo de intervenção na meritória acção de intervir no território.

A arquitectura é o vinho e a engenharia a garrafa. Mas a garrafa vazia é ruína ou escultura. As ruínas de Pompeia são arquitectura cadáver. As ruínas de Conímbriga são restos de engenharia.

A escrita ou o livro são engenharias da preservação do intelecto. A arquitectura é o sentido do som destes decorrente.
A pauta e o piano são engenharias da expressão musical.

Um edifício é todo ele apenas engenharias. E quantas vezes apenas uma garrafa inventada para nenhum vinho.

Ao arquitecto cabe ser pintor quando estuda uma fachada, escultor quando propõe uma volumetria, engenheiro quando define todo o sistema construtivo, designer quando detalha um pormenor, arqueólogo quando edifica sobre uma realidade, antropólogo se estuda determinado espectro social, ou matemático se investiga aquela geometria que resolve o encaixe perfeito.

Só será arquitecto quando controla e reinventa o espaço.

Tal como o vinho se redefine quando se desloca para o copo, também a arquitectura articula as artes e as engenharias no sentido de fazer acontecer em nós a transfiguração que sempre acontece quando nos deslocamos nos espaços.

Nós sempre estamos no vinho, nunca na garrafa ou no copo.


2 comentários:

Anónimo disse...

O conteúdo é que faz a embalagem, diz a designer; quanto mais perto chegar da essência maior vejo o seu exterior, diz a amiga.
Um Ano Novo com muito vinho!
M.A.

Unknown disse...

Igualmente para ti.
Desejo-te um ano cheio de desenhos.
JK