8.11.08


A mensagem de sábado das proximas 16 semanas irá ser ocupada por uma página do projecto "Your text here" produzido em 2006 para uma convocatória de mail art promovida por Antonella Grota Giurleo para a biblioteca Gallaratese de Milão



7.11.08






Obedecer

A obediência está apenas um degrau acima da estupidez.

Uma sociedade civilizada necessita de regras não de ordens. E, das regras, uma sociedade civilizada necessita o menor número possível. Uma sociedade civilizada quer gente responsável não mentecaptos. Uma sociedade civilizada quer gente que anda nas ruas como se estivesse em casa e goza da liberdade de respeitar os outros.

Mostrar uma arma é também usar a arma. E, usar a arma é mandar obedecer. E, mandar obedecer está apenas um degrau acima da estupidez.

São obscenas as armas que se passeiam aos pares nos concertos da paz.
São obscenas as palavras do medo que se passeiam aos pares nos nossos televisores.

MULTAS, TSUNAMIS, E BURACOS DO OZONO.
GRIPES, FALÊNCIAS E TERRORISMOS.
APITOS, GUERRAS E DEPRAVAÇÕES.
BUSCAS, REBUSCAS E PERSEGUIÇÕES.
ASSASSINATOS, ACIDENTES E CALOS NOS PÉS.
TELEVISÕES E MAIS TELEVISÕES.
INCÊNDIOS, DEGELOS E EXTINÇÕES.
RECICLAGENS OBRIGATÓRIAS E POLUIÇÕES.
FUTEBOIS, BANDEIRAS E SELECÇÕES.
E FURACÕES …

Que pena !

6.11.08


Nem todas as cartas de amor são ridículas.

“Estrada”

meu amor
não quero mais palavras rasgadas
nem o tempo
cheio de pedaços de nada
não me dês sentidos para chegar ao fim.
meu amor
só quero ser feliz.

meu amor
não quero mais razões para apagar
o que nasce
e renasce e nos faz acordar
a loucura
faz medo se for medo o teu chão
mas é ar e é terra
dentro do coração
é ar e é terra dentro do coração

meu amor
não quero mais silêncio escondido
nem a dor
do que cai em cada gesto ferido
quero janelas abertas
e o sol a entrar
quero o meu mundo inteiro
dentro do teu olhar

e hoje, vê
a estrada é feita para seguir
e hoje, sente
a vida é feita de sentir
e hoje vira do avesso o mundo
e vê melhor
deste lado é mais puro
é teu
é tão maior
deste lado é mais puro
é meu
é tão maior

MAFALDA VEIGA / Álbum Chão

5.11.08


Adoro os meus dois pares de óculos.

Depois de ter aturado anos de graduações que me deixaram quase sempre insatisfeito, ou rapidamente insatisfeito, fui empurrado por um familiar a descobrir o Prof. Monteiro Grilo. A partir daí a optimização do meu conforto e qualidade visual passou a situar-se num patamar novo para mim. Digamos que como doente não sou lá muito fácil e no que diz respeito a novidades às vezes sou um pouco resistente. Como rejeitei as progressivas, e após várias indecisões, decidi optar por um par de óculos de ver ao perto e outro de ver ao longe. Isto obrigou-me, por um lado, a inventar um método para transportar as armações que não estou a usar, e por outro obriga-me a mudar de óculos dezenas de vezes por dia.

Mesmo assim considero-a uma escolha acertada.

A verdade é que com esta opção quando vejo ao longe vejo bem e confortavelmente em todas as direcções e quando vejo ao perto vejo bem e confortavelmente em todas as direcções. É claro que se olho ao longe com os óculos de ver ao perto as coisas mostram-se um pouco turvas e quando vejo ao perto com as lentes de ver ao longe não consigo ler. É verdade, mas aceito isto como a minha realidade e a adaptação é apenas uma questão de organização. Andei uns tempos apenas com os óculos de ver ao perto e sobrevivi. Aliás vi, e continuo a ver, volta e meia, coisas que não existem e que me sugerem formas que depois utilizo nos meus projectos.

Nota: Afinal talvez vá arranjar um par de lentes progressivas para pintar paisagens.

4.11.08



Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.


Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas.


As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser

Ridículas.


Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.


Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.


A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que sãoRidículas.


(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas.)


Álvaro de Campos, 21-10-1935

3.11.08


Os meus santos sou eu que os canonizo. Os meus santos nem sequer estão mortos. Os meus santos estão sempre comigo porque de alguma forma um dia me cruzei com eles. Os meus santos são as mãos que estão debaixo das minhas sobre a minha cabeça.


O meu Tio Alberto


Com ele aprendi que o valor dos objectos não tem mercado, somos nós que lhes damos. Podemos amar os objectos como prolongamento de lugares ou vestígios de momentos, memória de pessoas ou constipações.Mas aprendi também com ele que cada objecto que adicionamos ao nosso ambiente deve fazer parte do conjunto numa perspectiva de odor único que corresponda à nossa forma de estar no mundo. A casa do meu Tio Alberto, não sei bem porquê, cheirava a um lugar onde nunca estive mas que por sua causa tenho ainda hoje um enorme fascínio a Escandinávia. A casa do meu Tio Alberto, não sei bem porquê, cheirava a Dinamarca, a Noruega, a Finlândia e um pouco a Suécia. Não sei bem porquê, era sempre esta a sensação que tinha quando estava junto dele, e nem mesmo as socas holandesas me pareciam objectos fora do contexto.