10.4.09



S.A.B.E.

Quando por causa de um projecto “Coménius”, estive cinco dias na Polónia, intuitivamente os meus sentidos buscaram em cada segundo, um cheiro, uma imagem, um sabor, um lugar, que a genética tivesse inadvertidamente deixado passar proveniente dessas minhas raízes judaicas.
Não me atravessou nada específico mas pareceu-me ao menos ter apanhado uma ou outra brisa conhecida.
Consciente desta desidentificação patente, juntei ao vocábulo “reconhecimento” a frase “deixar-se tocar”.
Tocou-me em primeiro lugar Cracóvia pela sua identidade descontraidamente cosmopolita e universitária.
Tocou-me negativamente Auschwitz de onde vim com a certeza que toda a gente lá deveria ir uma, e uma só, vez na vida. Hoje acho que não devia ter ido.
Surpreendemente tocou-me um sabor e ficou. Não sei se por coincidência, ou por ser mesmo assim, em todos os lugares onde comemos, restaurantes, escolas ou casas particulares, havia sempre sopa de beterraba. Um caldo vermelho, aguado, saboroso, bonito, e com ar de poção mágica. Magia ou não é que me apetece voltar à Polónia quanto mais não seja por isso.
De regresso a Portugal, tal como quem compra um carro em segunda mão e a partir desse dia só vê viaturas iguais à sua a circular, a beterraba, alimento que nem fazia parte da minha dieta alimentar, passou a pavonear-se na minha frente permanentemente.
Crua, cozida, ou em vinagre, comprei, experimentei, cozinhei, acertei, falhei, de tudo um pouco. Por fim, e por uma questão prática, deixei-me vencer pelos pacotes de beterraba cozida que devoro puro e simplesmente ao natural (fria claro!). Não minto se disser que como uma média de uma beterraba por dia.
Pode ser adição mas faz-me muito bem. Acho eu…
Ah! Já me esquecia! A sopa de beterraba é que nunca consegui fazer. Talvez lhe falte um ingrediente : a Polónia.

4 comentários:

Luis Leal disse...

Felizmente pude sentir muito do que descreves. Não sei se a Polónia é o local indicado para que um jovem, nunca antes saído da península, vá pela primeira vez. Para mim foi uma experiência forte, marcante e inolvidável... Auschwitz é um local que te fica "tatuado" na alma e a sopa de beterraba, aí não comungo a mesma opinião, é algo intragável que nunca mais consegui comer...
Mas Cracóvia, essa cidade linda, soará para sempre na minha memória ao som de um disco que guardo com muito amor...

entremares disse...

Nem sei bem o que te dizer...

1º: Estás definitivamente "viciado" em beterraba. Pronto, já deu para perceber.

2º: Estás a escrever de um modo bem diferente - eu diria mais visual. O que só confirma que tens muitas facetas ainda por desbravar...

3º: Não tenho a felicidade de recordar Cracóvia, pois nunca a visitei. Mas partilho essa sensação de ter visitado lugares que depois voltam connosco, "colados à pele".

E então, é verdade, às vezes surge um aroma, uma cor, um objecto... que nos faz retroceder no tempo ( este Pavlov, o homem sabia mesmo destas coisas )e então damos connosco a sorir que nem idiotas, enquanto caminhamos pelas ruas...

Unknown disse...

Tem graça! Eu trouxe o gosto pela beterraba da Alemanha, de uma cidadezinha chamada Jülich que fica muito perto das fronteiras com a Bélgica, o Luxemburgo, a Holanda e a França, e das cidades de Aachen (antiga Aix-la-Chapelle)e de Colónia.
Curiosamente, existe muita beterraba por aquelas regiões, por isso é um alimento muito usado. Lembro-me bem de uma fábrica com imponentes chaminés bojudas que, dependendo da direcção e intensidade dos ventos, deixavam no ar, para além da inevitável poluição, desenhos de fumo esbranquiçado e um aroma... nem bom nem mau, ligeiramente quente e adocicado, se é que isso existe, típico da transformação da beterraba em açúcar.
Pois é, açúcar de beterraba, é douradinho menos ralado o desfeito que o nosso açúcar amarelo, menos escuro e húmido que o chamado mascavado, mas que empresta um sabor diferente às bebidas. Agradável, para mim, mais saudável e energético, dizem alguns. Experimentem!
Sopa de beterraba nunca comi, nem me tinha passado pela cabeça, mas fiquei cheia de curiosidade. Vou tentar saber junto da minha amiga que morava lá, para ver se tem alguma receita interessante para partilhar. Depois digo.
Cá está - os cheiros, as cores, os sabores a entrelaçarem-se em cenários que trazemos para sempre connosco e que nos provocam o tal 'sorriso idiota' de que fala entremares.
A Polónia... por várias razões, com mais peso a do coménius, fui ficando perto da Polónia, sem nunca ter lá ido, mas vocês contaram-me (e contam) muito bem tudo, que até me apetece dizer com alguma segurança «tenho vontade de lá voltar».
Bom, já fui muito longe hoje e soube-me bem. Vou ver das receitas.
Bjs

o passageiro disse...

Belo comentário.
Obrigado.