20.4.09



Deixar respirar

É tão bom respirar que nem sequer pomos em causa deixar de o fazer. Respirar é um acto que se inicia no primeiro segundo e sobre o qual, a partir de aí, velamos para que seja perfeito em todos os outros momentos da nossa vida. Se o ar, por este ou por aquele motivo, se torna sufocante buscamos urgentemente outro lugar. Se estamos em apnéia por submersão o regresso à superfície é sempre acompanhado de um arrepio de felicidade. Gostamos de respirar e para o recordar não há nada como uma inspiração consciente. Respirar requer ar, temperatura, espaço, ritmo e posição. Quem pratica natação, atletismo, ou canto, por exemplo, sabe também que a eficácia do processo pode ser aperfeiçoado fruto de uma aprendizagem.

Respiremos portanto.
Exijamos que nos deixem respirar.
Exijamos que nos deixem respirar no sentido literal e nos outros todos.

Tão bom como respirar é o consciente acto de deixar respirar, deixar respirar os outros, deixar respirar os outros que estão connosco e sobretudo deixar respirar a quem amamos.
A verdade é que se amamos alguém a sério queremos estar com essa pessoa na totalidade e a toda hora. Ora esse desejo incontrolável encerra dentro de si uma evidente contradição. Se guardarmos só para nós todo o tempo de outro alguém, esse alguém deixará o seu próprio tempo o que significa que desaparecerá. E se a pessoa que pensamos “ter” desaparece então não temos nada. E afinal só queríamos ter tudo.
Amar alguém é amar a sua respiração intrínseca a qual é fundamental deixar funcionar.
Quando se ama outra pessoa temos de a deixar respirar, por si, no mundo, para cima de nós eventualmente, mas sempre incondicionalmente.

4 comentários:

Rolando Palma disse...

Sabes?

Já o Voltaire dizia... " Posso não concordar com nenhuma das suas palavras... mas defenderei sempre o direito que você poder dizê-las... "

O respirar também é isso, creio. Colher uma flor, tentar monopolizar o prazer da sua contemplação, faz morrer o objecto do nosso desejo.

Estranha contradição, não é ?
Ou talvez não...
Afinal de contas, como em tudo na natureza, são os opostos que se atraem, não é ?

o passageiro disse...

Importante parece-me é ter consciência destas questôes(poderia dizer valores mas cheira-me a artificialidade). E mais importante ainda é ter consciência e agir em conformidade, ainde que, sendo subjectivas as escolhas, haverá sempre espaço para uma certa oscilação temporal nas nossas convicções.

Luis Leal disse...

Há uma canção do Sérgio Godinho que me recorda muito as tuas palavras e, já que sou dos 80's, a filosofia do Mr.Miyagi de respirar e "focar-nos"! LOL
"Wash in, wash out"...
Grande abraço.
Cada texto que escreves leva um tom de manifesto que faz falta a este mundo.
P.S. Vens a Évora ao passeio? Já falta pouco!

Unknown disse...

«...um tom de manifesto que faz falta a este mundo»! Concordo absolutamente.
Como seria fantástico este mundo se todos conseguissemos respirar bem, se todos pudessemos sentir o prazer de respirar fundo - depois de uma sesta, depois de uma ferida lavada, no ponto panorâmico de um local qualquer que nos desse na gana, se todos nos deixássemos respirar uns aos outros, «incondicionalmente», com todas as perdas decorrentes, mas também com todos os ganhos...