26.1.09



A diversidade é o nosso único tesouro.

Sempre fui um anti-generalista. Toda a vida me vi confrontado com opiniões-catálogo do tipo : os portugueses são fatalistas; as mulheres são mais persistentes; os negros são melhores desportistas; os arquitectos tem uma pancada; aquela turma é péssima; etc. Confesso que, não obstante o meu propósito, me deixei muitas vezes levar por apreciações fáceis que rotulam o mundo e nos tornam a vida menos complicada. Consciente do que acabo de expor tenho procurado sistematicamente questionar os tribalismos exacerbados que confrontam raças, países, religiões, partidos, clubes, regiões, cidades, famílias, estatutos, bairros, profissões, nível de vida, etc.
Cada um de nós carrega dentro de si um flash. É um flash único impossível de clonar ou imitar. Cada gémeo é também um flash especial por mais verdadeiros ou falsos que estes sejam.
Enquanto professor não distingo turmas boas de turmas más, nem considero licito somar Marias com Rudolfos e tirar a média. Cada Carlos, cada Ana, são em si uma consequência milenar de eventos e património genético acumulado, balizados pelo caos que a todo o momento nos molda a consciência. Cada individuo é dono de um tempo que ninguém mais viu daquele lugar. A singularidade de cada individuo é uma parcela fundamental na soma que constitui a riqueza do património da espécie humana. Educar robotizando é perder “tempos”. Corromper a capacidade de autonomia a troco do controlo de uma estabilidade qualquer é reduzir o horizonte de crescimento do conhecimento e portanto enviesar o futuro.
Enquanto arquitecto não acredito em linguagens arquitectónicas, acredito no espaço. Não acredito em linguagens arquitectónicas divinas, puras, académicas, clássicas, modernas ou pós-modernas, revolucionárias, do povo ou do lugar. Pensando melhor, e compreendendo o papel que desempenham na invenção dos espaços, acredito nelas todas, nelas todas e em muitas mais coexistindo num mundo diverso e tolerante.
Proteger é sufocar, depender é morrer, dirigir é matar. Que importa o que os une, mais vale o que nos distingue.
Mais vale tudo o que se distingue.
Mais vale todas as notas de música, todas as cores, todos os sabores, todos os lugares, todas as culturas, todos os estilos, todos os cheiros, todos os tempos, todas as idades, todos os ruídos.
Dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó, verde, amarelo, azul, vermelho, roxo, laranja, castanho, branco, preto, norte, sul, este, oeste, gato, rato, pássaro, peixe, arroz, batatas, massa, inhame, maçã, banana, ananás, morango, praia, campo, montanha, cidade, medieval, barroco, clássico, moderno, high tech, rosa, dália, narciso, cravo, José, João, Hipólito, Gustavo, pão, azeitonas queijo, presunto, maduro, verde, espumante, morangueiro, alfacinha, tripeiro, corisco, camponês, arquitecto, informático, polícia, treinador, madeira, pedra, cerâmica, ferro, lagoa, lago, rio, mar, atol, ilha península, istmo, deserto, savana, floresta, pântano, muçulmano, católico, judeu, hindu, anjo, arcanjo, santo, demónio, barco, avião, carro, comboio, chuva, sol, neve, nevoeiro, Primavera, Verão, Outono, Inverno, frio, calor, humidade, ozono, tasca, snack, restaurante, cantina, exército, marinha, aviação, chapéu, boné, gorro, boina, gabardina, samarra, sobretudo, blusão, galego, basco, catalão, castelhano, Europa, África, Ásia, América, Lua, Sol, Terra, Mercúrio, drama, sátira, comédia, epopeia, sapato, bota, sandália, rua, praça, beco, rotunda, fonte, poço, cisterna, barragem, telefone, correio, telegrama, pombo-correio, rádio, televisão, jornais, internet, rabanadas, filhós, sonhos, azevias, cadeira, maple, sofá, puf, paf!, splash!, boing!, crash!, café, bica, italiana, simbalino, passo, trote, galope, corrida, nova, crescente, cheia, minguante, fogo, terra, ar, água, homem, mulher, idoso, criança, lápis, pincel, caneta, marcador, si, lá, sol, fá, mi, ré dó.

2 comentários:

Anónimo disse...

Texto de uma beleza espectacular!
Quem escreve e pensa assim só pode ser mesmo artista.
Bem-haja por este efémero momento de leitura e prazer.

"Primum vivere"

Luis Leal disse...

Um texto singular, um autor peculiar. Os rótulos escondem a essência, o conteúdo é fruto de largos anos de deambulação pelo autêntico. Hoje isto é tão difícil como as tarefas dos antigos exploradores...